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Quase tive um troço ao me deparar com aquela figuraça.
Oh, céus! Quanta saudade. Quantas recordações. Quantas aventuras!
Pra variar, Solano discutia sobre o sexo dos anjos com a vendedora da Pernambucanas, enquanto eu, esbaforido, tentava decidir se ia levar a tão sonhada tevê do meu pai numa versão vinte e quatro de marca ou ia aproveitar uma de trinta e duas polegadas genérica que gritava na indiscreta promoção.
Havia triênios que não nos víamos. Fomos amigos de infância. Curtimos juntos a fase adolescente e fragmentos da ingênua época dos vinte e tantos anos.
Depois, lembro-me que Solano foi pra Capital ganhar a vida e ampliar os estudos. Já eu fiquei mofando em Cabreúva, tomando conta da vendinha do meu pai, entre salames, cachaças e sacos de milho e feijão.
Controlei o ímpeto de agarrá-lo na frente de todo mundo. Acompanhei, em silêncio atribulado, suas andanças pela loja, até que ele decidiu finalizar a compra do que julguei ser um multiprocessador produzido em Marte.
“Solano?”, belisquei meu amigo, para confirmar se aquela aparição era real.
“Mateus… é você?”, cacarejou meu lindão, agarrando meu corpo franzino, posicionando minha emoção no núcleo daqueles músculos marinheiros.
Soltamos gritinhos afetados de pura alegria, salpicando beijos em bochechas e testas e queixos, para desespero de uma menina cara-de-inhame que não sabia onde enfiar as tetas.
“Você voltou pra Jundiaí?”, questionei, esperançoso, olhos marejados e diminutos.
“Ah… bem… vou ficar por aqui até quarta-feira, depois retorno a São Paulo… para aproveitar a última semana de... férias”, ele respondeu, desviando o olhar, como se não quisesse prolongar o assunto.
Compras feitas, procuramos uma casa coreana para comer pastel e encher a cara de caldo de cana. Como nos velhos tempos.
“Nossa… você tá ótimo!”, destilei meu elogio mais sincero.
Solano era uma cópia perfeita – um pouco mais bombada! – do Robert Scheidt.
Oh, quantas e quantas e quantas vezes ele não foi confundido com o atleta famoso, em épocas de vitórias, quando chegava a distribuir autógrafos para muitos fãs desatentos?
Eu, é claro, passava como seu Segurança, Empresário, Protetor.
Era muito divertido!
“Obrigado. A gente tem que se cuidar, não é mesmo?”, ele respondeu, corando além da conta, incomodado com a própria frase repetida centenas de vezes.
“Tá solteiro e ainda brincando com seus cinco amigos? Ou já encontrou sua alma gêmea?”, zombou Solano, entre uma mordida na massa sabor queijo engordurado e um gole na cana com limão.
“Ainda faço boa farra com meus amigos, pois guardei minha virgindade só pra você”, retruquei em tom provocativo, esperando ouvir as gargalhadas sensuais do meu nobre loiro abestado.
“Como é que você vai levar isso aí?”, Solano mudou de assunto, direcionando a atenção para a desproporcional caixa que embalava a paterna tevê modernosa.
Nem tive tempo de responder, pois meu amigo ofereceu seu carro que estava na Rua Senador, de modo a poupar meu sacrifício enjaulado num ônibus abarrotado naquele sábado tardio.
Perguntei como ia sua mãe. Ele respondeu que ela estava bem (o presente era pra ela). Ele perguntou como andava meu pai. Respondi que ele continuava rabugento e “afumado”.
Gastamos quarenta minutos recordando nossas traquinagens, destilando besteirol, debatendo assuntos insignificantes, até a hora em que eu tomei coragem e perguntei sobre o Tiago.
O tempo travou no segundo tempo.
“Ah, meu Mateus… a gente se separou… não dava mais”, sussurrou um esgotado Solano.
* * *
Contas pagas. Compras no porta-malas.
Seguimos viagem até minha saudosa Cabreúva.
Durante o trajeto, Solano resumiu a fase da separação. Ele descobriu que Tiago o traía descaradamente, ao menos no último dos cinco anos em que ficaram juntos. Entre brigas, idas e voltas, perdão e vai-pra-puta-que-te-pariu… enfim chegou o derradeiro instante do Tudo ou Nada.
Solano tentou dar uma última chance ao amado. Tiago não soube aproveitar, pois o vício em saunas e becos era mais atrativo do que a solidez de um casamento.
Tudo acabado. É vida que segue.
Eu só sabia que Solano tinha um companheiro fixo por causa das fotos que ele postava no tal de Facebook.
Renata, minha vizinha e única amiga, tinha “conta” lá e adorava enfiar na minha fuça as maravilhas das perfeitas vidas alheias... ao mundo real.
Eu nunca fui chegado em virtualidades. Eu ainda carregava um Nokiazinho parrudo de tela azulada onde, no máximo, brincar com a primeira cobrinha era minha segunda diversão; mero escape nas madrugadas.
* * *
“Nossa. O túnel do tempo. Nada mudou por aqui!”, sublimou Solano, assim que abri a porta da cozinha.
“Cadê seu pai?”, ele questionou, num tom afetado e curioso, arrastando uma das cadeiras de madeira, aprumando o corpanzil no centro do trono, aguardando o café prometido.
“Lembra do Negão?”
“O carteiro?”
“Pois é. Bateu as botas. Seu Elias tá lá no velório”, respondi, pesaroso.
O tal do “Negão” era um albino de trezentos por trezentos metros, robusto como uma legião de centauros, sempre de bem com a vida, além de proprietário das melhores sacadas e piadas da região.
Depois do vice-prefeito, era a figura mais simbólica e querida da nossa comunidade.
Quarenta e oito anos. Morreu dormindo. Vai deixar muita, muita saudade. Vou sentir falta da sua tresloucada alegria e suas tiradas sarcásticas sobre as origens do Universo.
O café repousava em nossas canecas de ágata.
Solano viajava em pensamentos egoístas.
Era mais do que corrosivo que alguma coisa o incomodava. Algo precisava explodir de uma vez por todas.
Continuamos o papo sem controvérsias, ora recordando nossa infância, ora ele avacalhando meu jeito caipira e solitário de ser.
Eu, tontício, permanecia encantado com os relatos dos causos dele vividos na Cidade Grande.
“Olha Solano”, eu interrompi o papo-furado.
“Mesmo há tantos anos separados, acho que sou a única pessoa que te conhece realmente a fundo. Sei lá, até entendo que uma separação é muito dolorosa. Eu nunca tive um namorado, mas sei o que é perder alguém que a gente ama e confia. Mas essa tua dor…”, cutuquei seu peito transparente, na altura do coração. “…, essa aqui, ó, é diferente. Vai, se abre com teu velho amigo.”
Solano arreganhou o olhar, onde duas contas opalinas petrificaram-se em brilho e espanto. Ele engoliu a nata do café, enquanto rodopiava o chaveiro do Clio sobre a mesa de madeira.
“Não consigo esconder nada de você, né?”, Solano acarinhou minha testa, prestes a desabar em prantos.
“Porra, se ao menos você tivesse Internet!”, ele urrou em deliciosos maneirismos infantis.
“Não tenho infernet, nem esse negócio de fêice”, afirmei, embebido num tremendo orgulho abestalhado.
Eu preferia aceitar meu vício em livros e revistas “de ontem”, que eu garimpava na Cooperativa de Reciclados do bairro.
“Eu te juro. Quantas vezes tive vontade de ligar pra você. Mas nunca acumulei coragem. Não sabia como ia te encarar”, choramingou um Solano Perdidinho da Silva.
Quando meu amigo foi para São Paulo, passei meses e meses a cuidar de uma cicatriz profunda que cobria o lado direito da minha alma juvenil.
Nós éramos muito unidos. Confesso que me senti traído, pois ele nunca se abrira comigo sobre o desejo de ganhar o mundo.
Está certo. Era um direito dele. Porém, foi a única vez em que eu não fiz parte dos seus planos.
Mesmo tão próximos, jamais ganhei um convite para conhecer seu apartamento-ovo, passar um fim de semana nas Perdizes, saçaricar num Shopping, tomar vinte rodadas de cerveja num bar… como ele dizia… da moda.
Conhecer o famoso Tiago…
“Sei que cometi muitas faltas contigo, meu menino”, Solano lamentou ao pé do meu ouvido esquerdo, como a ler meus sentimentos.
“Não importa”, disse eu, sereno, embora trêmulo.
“Estamos aqui, agora, juntos. Nada é capaz de nos separar em definitivo”, continuei, realista.
“Se a gente tinha que se encontrar hoje, não só para matar saudades e angústias… tanto faz. O que vale é que você precisava de mim-eu-mesmo. E, de repente, talvez eu também quisesse você aqui comigo”, eu devaneei, engolindo lágrimas ocultas.
Permanecemos abraçados, desesperados, unindo nossos corpos como a fundir nossos espíritos em definitivo.
Solano estava prestes a revelar seu segredo mais profundo. Eu tentava me preparar para ser seu alicerce. Minha intuição assegurava de que eu era capaz de suportar o que eu já sabia.
“Olha, Mateus, foi uma barra ter que aguentar as trapalhadas e mentiras do Tiago”, começou Solano, enquanto eu oferecia um pedaço de pano qualquer para que ele enxugasse o rosto e acalmasse o funga-funga.
“Meus amigos cansaram de me alertar, mas eu não dava ouvidos”, ele continuou, segurando um trapo creme cheio de babados numa das mãos e agarrando meus dedos amornados com a outra.
Solano despencou sua canção psicológica durante intermináveis dez minutos. Não atacou diretamente o amado, apenas sentia-se impotente diante de tanta submissão, acreditando que o tempo curaria as feridas e que tudo voltaria a ser belo e maldito como antes. Dinho sempre teve razão.
“Solano, eu compreendo tudo o que você me disse”, finalmente entrei na conversa.
“Mas eu olho pra você e tem algo que não se encaixa. Você não tá arrasado desse jeito por causa da burrice do Tiago. Tá. O.K. Ele te fodeu legal. Não dá pra perdoar de cara o que ele fez, mas…”
De um salto, Solano virou um Sentinela e seus olhos avermelhados fuzilaram minha aparente insignificância:
“Cara, o que sabe você da Vida, sobre o Amor ou a profundidade do que eu passei?”
“Você nunca saiu desse buraco, parece que nunca teve ninguém pra namorar, transar então…”
“... como você pode avaliar a amplitude da minha dor?”
As frases foram disparadas no alvo certeiro: meu coração.
Quanto mais Solano me atacava, mais eu ampliava minha serenidade. Coloquei-me em pé, encarando meu derrotado tão querido.
Ele travou a matraca. Eu travei sua nuca, puxando seu rosto para o centro do meu domínio. Atrevi o tão sonhado beijo. Fui recompensado com uma abobada língua isenta de prepotência.
“Eu possuo virtudes que pessoas como você abandonaram há muito tempo”, eu quase gritei em doce rouquidão, apoiando minha testa na dele.
“Eu domino a Sensibilidade. Eu ainda guardo a pureza de um inocente. Eu aprendi a cultivar e idolatrar a Paciência, meditando sobre meus sonhos e ideais, aguardando o momento preciso para libertar minhas energias mais lindas, profundas, intensas. Eu… me guardei… pra você, seu idiota, porque eu te amo e sempre te amei desde outras eras”, vomitei tudo no último minuto do segundo tempo.
Solano perdeu as forças. Eu embarquei na dele, por osmose.
Costas coladas ao pé da mesa decana, permiti que meu amigo repousasse sua cabeça solar no meu colo marciano. Acariciei seus fartos cabelos dourados, desembaraçando os fios secos entre meus dedos médios, com a ajuda das minhas lágrimas volumosas.
Um alívio pra lá de imediato envolveu nossas auras.
Degustávamos as delícias do Silêncio.
Martin, seu filho-da-puta, você nunca erra.
Prometi que eu veneraria Depeche Mode o resto da minha existência.
* * *
Esgotado, Solano aceitava de bom grado meu cafuné diferenciado.
Fui tomado por um insight a perfurar minha alma.
De novo, eu já sabia da resposta bem antes da fatídica pergunta.
Segurei nova enxurrada de lágrimas. O peito ardia em descompasso. A cabeça também. Era chegada a hora. Eu tinha que ser forte e provar meu devido valor. Eu precisava ser amigo. Eu aprenderia, de uma vez por todas, qual era o sentido de ser Companheiro. Era tudo ou nada. Era amor ou ódio eterno. Era ficar juntos ou perder de vez qualquer possibilidade de contato. Era segurar todas as ondas ou ser engolido pelo tsunami. Era a liberdade ou o ostracismo.
Com carícias entre irmãos, direcionei o rosto afogueado de Solano para bem próximo do meu olhar piedoso. Engoli areia e calcário, depositei um selo em seus lábios rachados. Inspirei todo o ar possível. Soltei a realidade num rompante:
“Solano. O problema não é ele. Mas… é ela, não é mesmo?”
Meu sulista piscou várias vezes, como a desentupir os ouvidos através de uma técnica absurda.
“E... la?”, ele gaguejou, incrédulo.
“Quem… Mateus… ela quem, seu bobo!”
Na minha cabeça, o Depeche cedeu lugar ao Joy Division.
“Você tá com ela, não tá?”, insisti, temendo ter que vocalizar o óbvio.
Solano arfava peitos e mágoas. Sentia-se encurralado.
Meus gestos promoveram a segurança necessária para o tão precioso desabafo.
“Oh, Mateus, Mateus… como você… de onde você…meu deus… como é possível?”
“Você tem que se abrir… agora!”, eu evoquei um tom maternal.
“Não dá mais pra segurar tanta dor. Eu tô do seu lado. Eu vou te provar o meu amor!”, embalei meu Confuso em sedas de devoção.
Solano buscou mais um beijo, que foi liberado sem nenhuma qualidade de oposição. Ele encarava o azul além das janelas arqueadas ou se perdia na porta craquelê num verde-amarelado, talvez com medo que meu pai interrompesse sua grande revelação.
Suas mãos, rocha pura, trucidavam meus ossos, inconscientes do seu vigor incontrolável.
“Se você não tem forças para me encarar, apoia teu queixo no meu ombro e sussurre a verdade no meu ouvido, enquanto te abraço e te cubro de carinhos”, eu vibrei, já direcionando a cabeça cambaleante de Solano para bem junto do meu frágil corpo – agora – doce fortaleza.
“Mateus, meu menino… é tão, tão… difícil!”
“Mas é necessário”, eu interpelei, com firmeza.
“O que me põe alucinado… é que o Tiago está Negativo. Como pode isso, meu deus!”, cuspiu Solano, quase engasgando nas curvas da Revolta.
“Ele praticamente esfregou os exames na minha cara… durante a última discussão!”, continuou o loiro opaco, definhando nos seios dos meus braços eucaliptos.
“Você teve a confirmação em Jundiaí, não é verdade? Suas ‘férias’ foram forçadas, estou certo?”, escolhi com vagar as palavras. Era como se alguém me cantasse toda a verdade por estendida antecipação.
“Eu havia feito o primeiro exame num consultório particular, por indicação do meu chefe, lá na Pamplona. Mas eu quis a derradeira confirmação, então… me lembrei da Carla, do Vianelo. Entrei em contato com ela, fiz o teste no Postinho em Jundiaí e, finalmente, o mundo ruiu sob meus pés”, choramingou Solano, afundando de vez o rosto de modelo no meu caipira ombro dolorido.
“Nossa, que poético!”, eu tagarelei, sem conseguir controlar um riso bem solto.
Solano ficou petrificado.
Minha reação foi tão espontânea, tão honesta, tão… diferenciada, tão longe do clichê piedoso praticado pela maioria das pessoas diante da catástrofe alheia!
Em lótus, agarrei as mãos natimortas do meu grande amor, arrumando uma maneira de esclarecer minha posição diante dos fatos.
“O que está feito, está sacramentado. Não tô nem aí pra saber os motivos que te levaram a cometer o ato bem falho. Não importa. Aconteceu e pronto! O que me vale é que você está se cuidando, está bem fisicamente. Basta que agora você aprenda a dar mais atenção ao seu interior; saber levar a vida com prazer e alegria renovada, sem carregar um besta sentimento de culpa ou de vítima ou… bem pior… se entregar ao ‘coitadismo’. Ninguém merece, não é mesmo?”, minhas palavras pareciam emanar pelas bocas de um Buda em começo de carreira.
“Pra você… é fácil teorizar, caralho. Você tá… limpo!”, resmungou Solano, ainda possuído pelo ridículo “onde foi que eu errei”.
“Antes de ser companheiro é preciso ser Amigo. Para alicerçar honesta e definitiva amizade é necessário vestir a camisa da Confiança. Para confiar é preciso acreditar no outro, sem julgar. O resultado disso tudo, meu Solano, é... simplesmente… AMOR!”
Solano encarcerou o semblante em ostra.
“Deixe-me experimentar a teoria na prática”, eu planifiquei, olho no olhar.
“Te esperei a vida toda e agora aqui, diante da tua fragilidade, eu sei que posso assumir meu papel de uma alma companheira ideal. Me dê a chance de te amar sem restrições; de te ajudar a superar qualquer porra de problema que ainda vai surgir”, profetizei, confiante.
“Não me tire o sonho de… fazer amor contigo”, tentei ser forte, mas uma cachoeira translúcida e sulfúrica escorreu do meu olhar castanho.
“Você é um louco. Mas até que é um maluco gostosinho. Só precisa dar uma malhada nessa magreza toda. Hummm, a bundinha está no ponto. Mas eu gosto de peito bem definido”, soltou Solano, afetado além do roteiro.
Foi minha vez de ficar petrificado.
Após dez segundos de sufocante silêncio, rolamos pelo chão vermelho, golpeados por uma crise enternecedora de risos libertadores, promovidos pela Dona Histeria em pessoa.
As desculpas e definições e perguntas e respostas não eram mais necessárias. Selamos o compromisso de um recomeço com abraços e beijos e olhares além da cumplicidade.
* * *
“Acho que o tal deus realmente existe”, filosofou Solano, acarinhando minhas faces.
“O Amor esteve comigo a vida toda e eu, cego, não dei aten…”
“Fizemos tudo da maneira correta. Seguimos os preceitos universais que conduzem até a Felicidade”, interrompi o devaneio do meu loiro.
“Fomos amigos a vida inteira. Crescemos juntos e aprendemos a cultivar nossas afinidades. No momento certo, precisamos afastar nossos corpos a fim de vivermos outras realidades. Você sofreu e cresceu um bocado na cidade grande. Solitário por opção, eu sofri e estudei a Vida, afunilado na minha caipirice, mas tendo como ótimos tutores os Livros e o Silêncio. Aprendemos com nossos erros. Uma nova chance foi ofertada. A ‘doença’, por incrível que pareça, foi uma bênção que fortificou o retorno da nossa união. Só temos que desfrutar as maravilhas ocultas a brindar nosso futuro… dessa vez... unidos!”, eu proclamei, emocionado, embebido em doce confiança.
* * *
“Vamos”, ordenou Solano, recompondo posturas e energias.
“Onde?”, questionei, muito curioso.
“Se quer ficar comigo, vai ter que me obedecer… de agora em diante!”, ralhou um loiro altivo.
“Oh, claro que sim, meu Amo e Senhor!”, retribuí a galhofada.
* * *
O sol riscava nossas máscaras afogueadas, salinas, resplandecentes. Privilegiados pela companhia da Natalie Imbruglia, rasgávamos gogós e estradas. Agradeci aos céus quando o Clio abriu as portas.
“Consegui te surpreender?”
“Sim. Além da conta. É a minha primeira vez...”
“Se queremos selar nosso amor, primeiro temos que purificar nossos corpos.”
“É tão… nossa… é tão lindo!”
“Nós somos lindos, Mateus. Obrigado, menino, por me salvar.”
Camarões em idênticos calções cor de chumbo (coincidência?), arrastávamos nossos pés na areia compacta.
Solano era pura alegria. Um anfitrião de primeira, sentindo-se todo pimpão por me presentear com aquele mar sem fim.
Ele apreciava minhas meninices apalpando as águas geladas.
Mesmo de costas para o mundo, maravilhado pela salmoura a bailar na altura do meu peito inerte em calafrios, senti que ele fez uma foto minha para postar de imediato na Grande Rede. O primeiro registro do nosso triunfo, a nossa superação.
Agora unidos, sem nos preocuparmos com outros banhistas, sentíamos nossas almas purificadas durante o ritual dos beijos calientes.
Dois anjos pelados em Santos.
* * *
“Eu posso?”, perguntou um retraído Solano.
“Sim, você deve”, autorizei o inevitável.
“Eu… quero”, titubeou o loiro solar, encharcado em emoção.
“Você quer…”, incentivei.
“Eu quero… eu quero muito aprender a amar você. Me ajuda?”
“Já somos companheiros. O Amor será uma consequência natural”, acrescentei, confiante e tranquilo.
“Você sempre tem resposta pra tudo?”, rosnou Solano, simulando uma cara de espanto inexistente.
“O que posso fazer?”, eu disse, encarando barquinhos no céu.
“Que culpa tenho eu… se sou capaz de resolver todos os teus mistérios?”
Largados na areia, risos dispersos ao longe, recobramos posturas não tão eretas e acompanhamos com o olhar relaxado diversos casais idosos meditando em suas caminhadas astrais.
Solano, remoçado, abraçou um Mateus – mim-eu-mesmo! – maravilhado.
Uma brisa mágica envolvia os recém-casados.
Foi a minha vez de elevar uma prece ao verdadeiro Positivo, agradecendo a boa sorte de também ter sido salvo…
… pelo Amor!
Atualizado em: Qua 12 Abr 2023